Sofro de opinião crónica. Felizmente só me acontece uma vez por semana. (Este anacrónico cronista crónico escreve de acordo com um desacordo com o novo acordo ortográfico) SAI AOS DOMINGOS!
09 de Setembro de 2012

Escrever é triste, como disse Drummond; mas ler é extremamente aborrecido. Por isso, em muitas leituras, é comum saltar parágrafos ou procurar saber quando o livro acaba. Durante muito tempo este instinto pernicioso do mau leitor foi cientificamente denominado preguiça intelectual. Mas se o problema não estiver no leitor mas no autor ou no livro? Ou se afinal o hábito de saltar frases, paráfrafos e páginas for simplesmente um método, repleto de carácter científico, que leva o leitor a ler mais e melhor, que o ajuda a chegar à próxima página e, página a página, ao tão desejado fim do livro?

Esse é o Método Marilyn. Quem o "descobriu" foi Richard Brown e a 27.08.2012 ele foi recordado em Escrever é Triste por Maria do Céu Brojo:

 

Joyce, o dia 16 de Junho de 1904, dele, em “Ulis­ses”, as horas paro­di­a­das de Leo­pold Bloom, Molly Bloom e Stephen Deda­lus nem sem­pre esti­mu­lam lei­tura con­ti­nu­ada. Eve Arnold, a mulher pio­neira do foto­jor­na­lismo, reteve ima­gens várias da capi­tosa loura de Hollywood, Marilyn Mon­roe. Algu­mas, igno­rando poses, revelam-na entre­tida com um calha­maço que a alhe­ava do redor: “Ulis­ses”. Daqui, a per­gunta: “Ela leu ou não leu?” Acres­cento: atriz até nos momen­tos devi­dos ao repouso entre ses­sões fotográficas?

Déca­das após, Richard Brown quis rom­per o mis­té­rio. O pro­fes­sor de Lite­ra­tura escre­veu a Eve Arnold. Que sim, que Marilyn já o lia quando a conhe­ceu. Em voz alta, confessara-lhe, por gos­tar do estilo, con­quanto difí­cil. A loira mítica assim des­men­tiu o (pré)conceito de ser ape­nas um belo corpo exposto gene­ro­sa­mente e des­pro­vido de pen­sar lógico convincente.

Facto é o pro­fes­sor Brown trans­por para a ati­vi­dade letiva o apren­dido na inves­ti­ga­ção: “Ulis­ses” não deve ser lido com a per­sis­tên­cia da água que corre até furar pedra. Abri-lo ao acaso, ler um tre­cho, depois outro é a reco­men­da­ção de Brown aos alu­nos. “Método Marilyn”, chama-lhe.

 

E comenta depois MCB:

 

O mais curi­oso é o con­se­lho de Brown ter alguma vali­dade. Na fase em que lia quase tudo do recente apa­re­cido nas livra­rias — houve cura, feliz­mente! -, des­bra­vei o “Lin­guado” do Gun­ter Grass seguindo o método. Após meia obra dige­rida no modo tra­di­co­nal, não resisti: inter­va­lei pági­nas. Foi o melhor.

 

Quer-me pare­cer que o inter­va­lar pro­vei­toso de pági­nas no “Lin­guado” do Grass não será fruto de mérito do método mas antes da natu­reza do livro. Grass nunca me con­ven­ceu, por isso não me espanta que, nele, o método fun­ci­one.
É ver­dade que Cal­vino me con­vence e é pos­sí­vel ler Se Una Notte d'Inverno un Viaggiatore ou Palo­mar atra­vés do pulu­lante Método Marilyn" — mas é pos­sí­vel por causa da natu­reza frag­men­tá­ria das nar­ra­ti­vas “cal­vi­ni­a­nas” (não con­fun­dir com cali­vi­nis­tas, de Cali­vino, o pro­tes­tante).
Por outro lado, é obri­ga­tó­rio ler José Luís Pei­xoto ou Mar­ga­rida Rebelo Pinto de acordo com esse método, que é outra forma de dizer é con­ve­ni­ente, deles, não ler coisa nenhuma.
No entanto, se ten­tar­mos um romance de Dos­toi­evsky ou, numa maior rela­ção causa-efeito, um livro de Agatha Chris­tie, o método torna-se con­fuso. aliás, seguindo o "Método Marilyn", que seria do pobre Poir­rot?
Bem vis­tas as coi­sas, o "Método Marilyn" é o que uso nas livra­rias quando tenho dúvi­das sobre a qua­li­dade de um livro. Cinco minu­tos são mais do que sufi­ci­en­tes. E, uma vez apli­cado o método na livra­ria, por norma com sucesso, já não tenho neces­si­dade de o apli­car em casa.
Quanto ao Ulis­ses de Joyce, o que reco­lhi da minha expe­ri­ên­cia de lei­tor e do con­ví­vio com alguns aca­dé­mi­cos mais fanáticos é que este romance tem, como cer­tos livros — ex.: À La Recherche du Temps Perdu de Proust -, uma carac­te­rís­tica muito par­ti­cu­lar: o agen­da­mento.
Os livros, como os fru­tos, devem ser colhi­dos no seu tempo pró­prio. Os moran­gos (se não falho na cul­tura agró­noma) são em Maio. Proust e Joyce são na ter­ceira idade — na pior das hipó­te­ses, nunca antes dos 50.
Por essa altura, a lan­gui­dez, a expe­ri­ên­cia, a paci­ên­cia ori­en­tal adqui­ri­das na baga­gem de um espí­rito que se tor­nou melan­có­lico, fazem com que saiba bem seguir as via­gens de Bloom nos labi­rin­tos do seu quo­ti­di­ano ou as memó­rias de um Proust aca­mado. Por isso lá estão, na pra­te­leira, a olhar para mim, enquanto espe­ram que tam­bém eu me veja nesse estado.
Até lá, vou apro­vei­tando o ser novo e prá­tico para ler livros com maior dose de leveza, como os de Kant, Nietzs­che ou Tols­toy que, com­pa­ra­dos com os de Proust e Joyce, parecem a Treasure Island de Robert Louis Stevenson.

 

Moral da crónica: evi­tar o "Método Marilyn" é apli­car o método no momento da com­pra e guar­dar o livro para o seu tempo pró­prio.

Ainda que, a jul­gar pela exten­são deste texto, apli­carmos aqui este método tam­bém possa vir a provar-se uma medida útil. Há extensões que fazem mesmo apetecer um salto para a última página.

Quando acaba mesmo esta crónica?

publicado por Miguel João Ferreira às 22:14
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