- Todos os animais deverão imediatamente juntar-se no coração da Floresta! A reunião... - era urgente, explicava o rato, mensageiro daquelas partes: o leão ia falar sobre um assunto gravíssimo!
O espanto era geral. Que tema poderia dar azo a tanta azáfama? Estaria a Floresta à beira da catástrofe? Caíra um meteorito? Detectaram-se movimentos na placa tectónica? O rio transbordou? O rato do campo não avançou notícias e o da cidade que depois se lhe juntou era demaisado sisudo e oficial para adiantar o que quer que fosse; mas trazia debaixo do braço um grande livro de decretos.
O pinguim e a tartaruga dos Galápagos foram os últimos a chegar.
- O que é isto, - perguntou a lontra, curiosa e desconfiada - uma Assembelia Mundial? Se o não for, nao os quero cá; se o for, quero saber porquê... Isto é altamente irregular!
Mas um rugido estrondoso deu-lhe outro ponto de vista. Verificando porfim o plenário e o silêncio, constatando que havia quorum que acatesse o seu dictum, o leão princípiou a exposição dos factos:
- Meus amigos, antes de mais, muito obrigado por estarem aqui, que sei que muito vos transtorna. O motivo por que vos convoco é apenas este: estamos em crise.
- Ooooooooooooooooooooooooohhhh!! - fizeram todos.
- Virgem Formiga! - gritou a Formiga Ruiva, - Queimaram-se as minhas provisões!
- Em crise! - guinchou a cegonha.
- Está a acabar-se a areia? - perguntou o camelo.
- Não há bananas? - perguntou o macaco.
- Perdeu-se o milho? - perguntaram os corvos.
- Já não há gomas?! - sondou uma texuga angustiada.
- Gomas?! - inquiriu uma estranheza colectiva.
- Ahhhh... Uhhhh... Hum... Pois... quero dizer... gomos!, gomos! Quis dizer gomos!... Que é o que eu chamo aos pinhões....
- Mas os texugos não comem pinhões! - Desconfiou mais a lontra, que desconfiava de tudo.
- Eu como! - reorquiu a texuga, querendo acabar com a conversa - e tenho o direito de comer o que eu quiser! Ora já viram isto? Humpf!
- Silêncio! - gritavam o ratos, tentanto instaurar a ordem - Silêncio! O Rei Leão vai falar!
A contragosto, a Assembleia calou-se.
- Como vos dizia, meus amigos - prosseguiu o leão com ar pesado, - estamos em crise... As circunstâncias, as componentes, a conjectura, e infrastructura, a compustura agora descomposta, as dívidas de boa vontade, os juros de perdão de quando não vos comi e podia, enfim... A verdade é que tenho andado com fome...
- Ooooooooooooooooooohhhhhhhhhhhhhhhhhh!! - fizeram todos.
- Sim, - continuou o leão - tenho andado mesmo esfomeado. E porque as vossas simpáticas oferendas, sendo boas, não são suficientes, vejo-me forçado, perante os roncos miseráveis do meu estômago, a deglutir-vos, meus amigos, pouco a pouco...
- Ooooooooooooooooooohhhhhhhhhhhhhhhhhh!! - fizeram todos.
- A começar, - prosseguiu - já hoje pelo meu almoço...
- Então e como planeias fazer isso?, - perguntou o urso, já a afiar as garras, esperando vender cara a pele.
- Ah, não te inquites, meu irmão, que o farei de uma forma muito democrática. Começamos por ir a votos, e depois, se for preciso, sorteamos...
- Então e como vamos votar? - perguntou o alce.
- Levantamos a pata - respondeu o leão.
- Levantamos a pata a quê? Quem diz o nome de um animal? -, quis saber o búfalo.
- E quem não tem pata?, - perguntou o robalo.
- Aí eu lavo as minhas patas, - esquivou-se logo o leão, - não quero incriminar nenhum dos meus camaradas, nem aceito que depois me incriminem, sob pena de lhes mover um processo... capital...
- Mas alguém tem de apontar alguém, se não ninguém se acusa! Como é que fazemos isto?!
- Só sei que nada sei! - retorquiu o leão.
- Meu Deus, estamos perdidos! - exclamou o cavalo, com ar preocupado.
- Que foi?, que foi? - O coelho, a zebra, o cão, o pintassilgo, vários bichos, já, se lhe juntavam, procurando entender tão grave revelação.
- Este tipo julga que é o Sócrates. Ou pior ainda, o Passos Coelho!
Em vez de se unirem contra o leão, os animais acharam mais prudente votar uns contra os outros.
Os felinos, os répteis, os insectos e os porcos, vendo o rumo das coisas, tomaram logo o partido do leão e puseram-se a seu lado. Disseram uns quantos nomes, que mais ou menos sortearam e tiveram um banquete farto. A Floresta vai encolhendo e empobrecendo, mas há uns bichos que engordam. A crise de uns é sempre a festa de outros, isto está claro. Não há crise em mundo algum que não seja intencionalmente provocada. Repito: intencionalmente provocada.